domingo, febrero 28, 2016

Cómo escribir crónicas de viajes según Hebe Uhart

Cómo escribir crónicas de viajes según Hebe Uhart - Viva Leer



HUhart-VLC

Hebe Uhart (Argentina, 1936) es filósofa y escritora. Hace pocos años, viajando por Latinoamérica, comenzó a escribir crónicas de viajes. Desde su experiencia, Uhart, invitada a Chile por el festival FILBA, dictó un taller sobre este género. Estos son algunos de sus consejos y reflexiones para quienes quieran escribir sus propias crónicas de viajes.
Por Katharina Eitner.
Todos los viajes —no importa si son de trabajo o vacaciones— tienen algo en común: nos obligan a salir de nuestra cotidianidad, de nuestro centro. Es el momento del asombro. Incluso si el viaje resulta un fracaso. Por eso, como viajera, a Hebe Uhart no le interesan los tours ni las fotos de postal. Busca otros territorios y la seduce, por ejemplo, el lenguaje y la forma en la que el tiempo transcurre en distintas localidades.
tapa Uhart cuentos_05Hebe Uhart escribe desde joven. Su primer libro de cuentos —Dios, San Pedro y las almas— es de 1962. Hoy suma una decena de libros, la mayoría de ellos son de cuentos o novelas breves que han sido recopilados en Relatos reunidos(Alfaguara). Uhart también viaja desde joven, pero desde hace solo unos pocos años publica crónicas de viajes, las que han sido recopiladas en los libros Viajera crónica y Visto y oído, ambos bajo el sello Adriana Hidalgo. Su particular manera de percibir la han llevado a ser considerada una de las mejores narradoras actuales de Argentina, celebrada por autores como Fogwill y Piglia.
Para tomar el lápiz y narrar los viajes de vacaciones, estas son 10 reflexiones de Hebe Uhart extraídas de su taller en FILBA sobre la crónica de viaje:
  • La perspectiva personal. Las crónicas de viajes son un género literario que se extendió con el colonialismo. Antes su papel era informativo; pero hoy el valor de las crónicas de viajes está en la perspectiva personal de quien escribe y viaja. La información objetiva está en Wikipedia. Lo fundamental de la crónica de viajes es la capacidad de observación de cada cronista.
  • Los detalles. Es importante no idealizar los lugares. Hay que evitar los adjetivos y las expresiones del tipo “¡Qué hermoso lugar!”, que sólo llevan a generalidades. Para encontrar las particularidades, hay que escribir desde los detalles que se observan.
  • Todos los géneros valen. No hay que tener miedo de cruzar géneros literarios: la crónica se nutre de los cuentos y las novelas. Al relatar experiencias sucedidas en un viaje, son buena mezcla.
  • No hay distancia para un viaje. No sólo los viajes a lugares lejanos son dignos de contar. También los viajes en micro, las caminatas por la ciudad o el viaje a comprar el pan son experiencias que pueden relatarse como crónicas.
  • El lenguaje. Al viajar hay que prestar particular atención al lenguaje: formas, tonos, expresiones, la comparación de dichos entre países. El lenguaje permite ver cosas de cada sociedad, formas distintas de encarar la cotidianidad. Un ejemplo: en Colombia a las personas que viven en la calle se les dice “los desechables”.
  • Investigación. Hay que buscar las razones o las raíces históricas de los dichos y costumbres de los lugares a los que se llega.
  • No perder la capacidad de asombro. Se debe ejercitar una mirada que desnaturalice lo cotidiano: observar los carteles, los graffitis, las formas de usar el espacio.
  • El tiempo. El tiempo corre distinto en cada lugar. Usualmente en provincias va más lento que en las grandes ciudades, por ejemplo.
  • Descubrimientos significativos. No es necesario describir todos los momentos del viaje. Hay que centrarse en lo significativo, lo distintivo, en los descubrimientos del viajero.
  • Escribir para atesorar. Las crónicas de viaje son un testimonio de un momento vivido. Se cuenta para no perder las percepciones. Esas percepciones, eso que llamó mi atención, es una mirada única sobre un lugar, que, además de permitir dar un vistazo al lugar, permite al cronista conocerse a sí mismo.

lunes, febrero 22, 2016

Mia Couto: Temos medo do “não humano” que está dentro de nós

Mia Couto: Temos medo do “não humano” que está dentro de nós - Weekend - Jornal de Negócios



Mia Couto: Temos medo do “não humano” que está dentro de nós

“Os passados que não convêm, que renovam grandes medos e fantasmas, são anulados”, diz o biólogo e escritor Mia Couto, que acaba de lançar “Mulheres de Cinza”, o livro primeiro de uma trilogia moçambicana.

No centro da narrativa está Gungunhana e os dias do fim do império de Gaza, derrotados por Mouzinho de Albuquerque em 1895. É uma recreação ficcionada de um período recente, que nos faz pensar sobre a identidade e a memória. Ainda somos esses? - perguntamos nós, pergunta Mia Couto, o escritor, o biólogo. É um livro de fronteira que começa assim: "A estrada é uma espada. A sua lâmina rasga o corpo da terra. Não tarda que a nossa nação seja um emaranhado de cicatrizes...". 


Existem vários passados? Fala-se do passado como coisa acabada, e no singular. Ao perguntar se existem vários passados, abro a porta à ficção, e sobretudo à interpretação.
Essa castração é quase um "historicídio", um matar uma parte da história. Tem a ver com a nossa posição como sujeitos da História. Começou muito atrás. Os passados que não convêm, que renovam grandes medos e fantasmas, são anulados. Esta é uma operação que vai sendo feita sempre. E quanto mais recente, maior é a necessidade de que essa extirpação seja eficiente. Tem que ser um corte mais radical.

Porquê? E extirpar para quê?
Porque se percebe que somos muito do que fomos. Somos quem já fomos. E essa carga que vem do grande, grande passado... Fomos caçadores-colectores. Devemos mais a essa cultura do que devemos ao Homero e ao Aristóteles.

Nessa recusa, estamos a negar ou a criar distância em relação à nossa condição animal?
Temos medo. Temos medo do "não humano" que está dentro de nós. É uma coisa absurda, devia haver uma estátua a esse nosso antepassado comum, esse Homo Erectus, ou ao primeiro Homo Sapiens, em cada cidade. Seria uma grande homenagem à paz.

Isso parece uma graça. Explique porque é que não é simplesmente uma graça.
Porque esse homem, essa mulher, deu origem a esta grande saga. Inventámos a espiritualidade, a religiosidade, o sentido cooperativo, os códigos simbólicos. Mas essas grandes coisas que nos fazem ser quem somos hoje estão lá atrás. Estão lá atrás e não nasceram na escrita – mesmo que esta visão tenha sido imposta com a ajuda da escrita. E depois até com a ajuda da ciência. Houve um momento em que a ciência foi cúmplice dessa anulação dos outros saberes que estão dentro de nós. Esses saberes estão ligados a esse passado que nunca passou. Há um lado nosso que é profundamente supersticioso, que está disponível para outras linguagens, para o que é o oculto.

E que é domesticado pela racionalidade?
É. É preciso que nos esqueçamos. A fabricação do esquecimento é uma coisa fantástica.

Parece um contra-senso. Se estamos a fabricar esquecimento não estamos a esquecer deveras.
Exacto. É uma mentira, uma falsidade. [riso] Esta divisão que fizeram entre sentir e pensar: é admissível que alguém sinta que há uma voz, um espírito, que há uma coisa invisível. Mas pensar que isso seja assim, é grave. A ideia de que a intuição é uma coisa e de que o raciocínio é outra coisa, de que a intuição é feminina e o pensar é masculino...

Estamos ainda assentes nessa divisão, nessa leitura maniqueísta do mundo?
Sim. A grande verdade vem do que está escrito. Esta história que quis construir, por exemplo: tive que caminhar com um pé nas fontes orais, um pé na fonte escrita. Mas porque é que uma é mais verdadeira que a outra? Não é. Esta escrita, que é riquíssima e profundamente contraditória, também ela tem os seus segredos, não é uma coisa só. Verifica-se que ali há várias versões e foi preciso escolher uma delas.

Refere-se às diferentes leituras de um acontecimento ou personagem histórica. Já lá vamos, ao livro.
Aceitamos que se tenha feito connosco, e que se faça continuamente connosco, essa grande mentira que é pensar que o mundo é só um, que o tempo é só um, que o passado é só um. Ficamos muito aflitos e ansiosos quando nos dizem que num regime há só um partido, que há só uma única voz na opinião pública. E fazemos bem! Essa é uma coisa que não podemos aceitar. Mas silenciosamente e desapercebidamente aceitamos que o mundo seja uno.

Voltando ao princípio da entrevista, aos passados ao invés de passado. Vozes ao invés de voz. Quando decidiu trabalhar o Gungunhana, um período essencial da história da construção do seu país, ia disponível para esta pluralidade de vozes e de passados? Ou foi no processo da escrita, de pesquisa que se surpreendeu com uma imensidão de passados e de vozes, superior àquela que tinha previsto?
Não só ia preparado como tinha essa intenção. A intenção era dizer, usando a expressão brasileira: "Gente, há muitos passados, não tenhamos medo disso". É melhor convivermos com essa pluralidade de fantasmas do que sermos surpreendidos quando eles nos baterem à porta.
Quando falei ao novo presidente de Moçambique, Filipe Nyusi, deste projecto, disse-lhe: "Estou com alguma preocupação. Este país ainda é muito sujeito a estas manipulações na base étnica, na base desses passados que foram muitos, e que são aproveitados politicamente por forças". E ele respondeu: "Mais vale acordarmos os fantasmas do que sermos acordados por eles".

Foi um encorajamento.
Foi. Num país que é tão recente, é complicado aceitarmos essa complexidade e essa diversidade. Tem que pensar: "Sou a Anabela, não sou uma das Anabelas que está dentro de mim". Um país é a mesma coisa. Tem que se escolher amnésias, lembranças. Não serei responsável nem quero contribuir para esse processo, mas quero dizer que não tenhamos medo. Há muitos passados – eles convivem bem entre eles.

Quais foram os fantasmas acordados?
Fui mais surpreendido pelo lado português. Portugal está noutra condição histórica. Portugal é uma nação [antiga] e todos os seus mitos têm séculos. Ninguém está interessado se o D. Dinis ou o D. Afonso Henriques foram ou não foram exactamente assim.
Surpreenderam-me as diferentes propostas de leitura, as diferentes versões, as fracções dentro do discurso português. Não havia uma coisa chamada Portugal e a intervenção portuguesa [em África], havia muitas coisas dentro disso.

Conte um pouco deste processo. Porquê Gungunhana?
Porque o Gungunhana corporiza muito disto, a construção de mentiras de um e do outro lado. O Gungunhana é quase uma personagem de Shakespeare. É profundamente trágico. [Intuí] que entre aquilo que realmente era e aquilo que se via nele havia distâncias enormes. Substanciava aquela ideia do selvagem africano, do grande chefe.

E de força hercúlea. É um aspecto importante.
Sim. Tinha um grande poder, um exército de quase 100 mil homens. Os portugueses – lá – tinham focos de presença efémeros, frágeis. E até um certo momento, Portugal estava ali por estar. Moçambique não tinha grande interesse. Até que surge a pressão da Conferência de Berlim [1884/85] e as potências europeias exigem a Portugal: "Ou estão, e têm que dar prova, ou então deixa de ser vosso". Portugal tem esse imperativo, surge Mouzinho de Albuquerque… Mouzinho é aquele que representa essa força de ou vai ou racha. Quando decidiu fazer o que fez, não sabia que esse império, o do Gungunhana, já estava na derrocada final. Se fosse meses antes, tinha sido uma coisa suicida.

Temos medo do "não humano" que está dentro de nós.



A literatura pode devolver a ideia de que há muitos passados e de que todos têm um pouco de verdade.

 
Quais são os grandes elementos do carisma de Gungunhana e de Mouzinho? São pessoas de quem falamos mais de 100 anos depois, não só porque encabeçaram movimentos e lideraram 100 mil tropas. Esteve a viver com eles durante meses: o que é que era tão marcante?
Eram carismáticos, tinham uma personagem magnética, por razões opostas. O Gungunhana teve uma estratégia de poder, que passou por aquilo que era o lado espiritual, religioso. Trouxe os grandes feiticeiros, os médiuns, e do norte, onde depois constituiu a sua sede, e onde estavam os vandaus, que também eram tidos como [detentores de] grandes poderes espirituais, e fez uma estratégia de poder. Por assimilação, e, quando era preciso, por guerra. Transformou-se num homem que sabia gerir muito bem o lado simbólico do poder e o lado efectivo, militar, de apropriação de riqueza.
O Mouzinho era um homem ensimesmado. Todos o descrevem como bonito, seco. A sua presença era marcante. Encantava as mulheres. Os homens ficavam entre o receoso e de certa maneira atraídos por aquela força que emanava dele.

A força vinha de onde?
Da certeza que tinha, e um certo desprezo pelo medo. Era um bocado desprezo pela própria vida. Às vezes anotava nas suas confissões, no seu diário, que alguém tinha morrido, e dizia: "Pena não ter sido eu". Ali, [nessas notas], já está um personagem a libertar-se sem que precisemos de trabalhar muito.

As fontes que usou e onde leu essas anotações íntimas, foram mais que tudo quais?
Foram variadíssimas. Há muita coisa sobre um e outro.



Em Portugal e em Moçambique? E os registos são coincidentes?
Os historiadores moçambicanos tiveram que vir buscar aqui o que está escrito pelos portugueses. Não podiam falsear isso. Mas é claro que têm outras leituras. Os historiadores moçambicanos vão buscar fontes inglesas, que têm outra interpretação. As fontes da oralidade em Moçambique também são muito curiosas. Sobre o Mouzinho não há muita memória, mas sobre o Gungunhana, sim.

Ainda hoje?
Sim. Entre o ódio absoluto daqueles que foram massacrados, e uma certa admiração pelo grande poder unificador deste homem.

Ficou pendurada a pergunta pelos fantasmas que foram acordados. Falou na tensão racial que podia ser despertada por se falar nisto.
A literatura pode fazer este trabalho, o de devolver a ideia de que há muitos passados e de que todos têm um pouco de verdade. A tentação de trabalhar racialmente ou etnicamente esse outro tempo fica esbatida. O que interessa à literatura são as pequenas histórias que sobraram da grande narrativa, da narrativa solene da História com H maiúsculo. Essas pequenas histórias são fantásticas. Vários soldados portugueses apaixonaram-se por mulheres africanas, criaram famílias. Tinham de lutar contra África e, ao mesmo tempo, não conseguiam fazer isso porque já eram uma parte de África.

Quer apontar um caso relevante?
O intendente-geral, uma espécie de ministro dos Negócios Estrangeiros, casou-se com uma mulher africana, da qual teve filhos. Essa é a razão (no livro isso é sugerido) pela qual passa a merecer alguma desconfiança dos superiores hierárquicos. "Como é que um homem destes pode representar completamente Portugal? Tem que estar dividido."
Por outro lado, esses prisioneiros africanos que vieram deportados para os Açores, tiveram filhos. Filhos e netos que agora são portugueses. O lado dos encontros que não foram registados é muito feliz.

A dilaceração íntima, essa divisão do humano na sua pequenez, na sua fragilidade, à margem da grande História, da factualidade, foi o que lhe interessou trabalhar no livro?
Também. [Volto ao Gungunhana]: era preciso criar uma mistificação de grandeza à volta de um imperador que já não era ninguém, que estava oco. Portugal precisava de uma grande vitória e por isso teve que engrandecer este homem. Um grande imperador africano tem que ter várias mulheres. E tinha, 300. Ele não sabia bem quantas [risos]. Trouxeram sete, que desfilaram aqui, na Avenida da Liberdade. E foi muito curioso: elas foram apupadas. Em Moçambique, em quase toda a África, quando se apupa, é uma saudação amigável. Então elas acenavam sorridentes pensando que aquilo era uma saudação. Esses equívocos interessam-me mais do que o lado oficial da História.

Como é que aprendeu esta História quando andava na escola?
Aprendi à maneira colonial. Os bons eram os portugueses, que salvaram o império. E os maus eram os africanos. Aprendi com o mesmo texto que aprendeu a geração de 50.

Quando é que esta visão do colonizador e do colonizado, estas diferentes leituras de um passado recente, foi posta em causa – por si? Quando é que começou a ser notória essa multiplicidade de leituras?
Quando tenho a consciência das coisas. Tinha 14, 15 anos quando na minha casa se começou a falar nisso. Tive muita sorte porque o meu pai era um homem que tinha distância crítica sobre as coisas. O meu pai saiu de Portugal por razões políticas, era um homem que sabia que Moçambique ia ficar independente e que tinha outra história. Lutou por isso. Para mim era lógico que havia dois universos que, para se casarem, tinham que se apresentar de um e do outro lado da mesa. Mas a minha casa era um bocado de Portugal. Bastava passar a porta e do outro lado da rua tinha outra versão do mundo.

Era uma casa de brancos. Fazia uma grande diferença na leitura desta realidade?
Enorme. Não era só uma casa, era um bairro, uma cidade de brancos. Nos últimos anos já havia algumas zonas de mestiçagem, mas era uma cidade de brancos. Porque os meus pais não eram ricos, eu vivia na zona limite. Uma zona de pântano, que não foi objecto de um plano urbanístico como foi Maputo (na altura, Lourenço Marques), Nampula. Foi construída de maneira um bocado caótica. Mas sempre vivi com esta condição fantástica de que África começava logo ali, ao pé da porta.

Quem cria brinca. E quem brinca cria sempre. Matamos muito. Como fizemos aquele "historicídio", matámos também a infância da nossa espécie.

 
Viver numa zona de transição: o que é que lhe trouxe?
Aprendi muito cedo, aos cinco, seis anos, uma das duas línguas que se falavam naquela cidade. E escutava histórias de um lado e do outro. Dentro de casa, a minha mãe era uma grande contadora de histórias. Recebia esta ideia de que havia um lugar do outro lado do mundo, um lugar longe, um lugar da saudade, da melancolia. Por outro lado, havia aquela grande força, cheia de vitalidade, com monstros, que convocava muito um outro imaginário.

Voltamos a falar de dois pólos, duas grelhas de leitura do mundo. Um mundo organizado, com um discurso assente no racional, e outro que apela ao fantástico, à intuição, a qualquer coisa que não sabemos onde vai dar. Faz-lhe sentido?
Faz. Desde que a gente perceba que esses dois mundos não estão separados pela rua, que eles existem dentro de nós. Nós oprimimos, fazemos com que seja esquecido esse universo. E ficamos mais pobres. A poesia é autorizada porque está mais ou menos domesticada, está classificada. Pode ser imaginativa – e a imaginação é um parente pobre do pensamento. É isso que se diz. Em minha casa, eu era filho de um poeta. Dizia-se: "Este, coitado, é um sonhador". Como se sonhar não fosse uma maneira de pensar.

Sobretudo é como se o sonho e a poesia fossem coisas secundárias em relação àquilo que deve ser, ao que é válido.
Exacto. [O outro lado diz respeito ao que] é rentável, ao que cria imediatamente riqueza, ao que é comprovado cientificamente.

Ouvi-o há dias dizer que é preciso encontrar novas palavras. Novas palavras que digam uma história recente. Que digam quem é que somos. Usamos um vocabulário que está gasto. Ou precisamos, pelo menos, de uma nova combinação para as palavras, para dizer "um país em construção", "um sujeito em construção".
Às vezes pensa-se que isso é uma coisa literária, que essa coisa da recriação do vocabulário é uma coisa que compete aos que escrevem, aos poetas. É uma pena que se pense assim. Quem usa a língua como uma coisa funcional tem grande dificuldade em usufruir da grande riqueza que é o pensar, o dizer, o ser dito pela língua. Não tem a ver só com a parte do vocabulário de que dispomos, tem a ver com a maneira como nos sentimos produtores da nossa própria língua. Ensinam-nos a ser usuários e somos completamente sufocados pelo medo de errar, pela gramática. Mas às vezes, para dizer certas coisas, só é possível se nos distanciarmos e tivermos uma relação mais inventiva.

É uma maneira de sair da caixa, do espartilho, da ordem.
O que somos só é possível que aconteça se conseguirmos marcar uma impressão digital no que se escreve e no que se diz. Esqueci-me de uma coisa numa estação de Biologia e pedi, por SMS, para me confirmarem que a tinha deixado lá. E as mensagens todas diziam: "Sim, essas suas coisas ficaram no arrumário".

Arrumário?
É fantástico! Impensadamente usamos a palavra armário, mas armário é uma coisa que está ligada com armas. Apetece muito mais que seja um arrumário, onde se arrumam as coisas. Uma das pessoas mandou uma mensagem muito engraçada: "O meu crédito de telefone acabou, só ficou zero". O zero é uma coisa que está lá, que fica, que existe. É uma coisa quase metafísica.
Conto outra história, que aconteceu comigo. Dois homens estão sentados num muro e perguntam-lhes: "O que é que estás a fazer?". "Nada". "E tu?". "Eu estou a ajudar o meu amigo." É uma coisa muito solidária, alguém que ajuda o outro a fazer o nada.

Na sociedade em que vivemos existe uma obsessão com o fazer, com o sucesso, com a apresentação de resultados. Com qualquer coisa que é visível para o fora. Gostava de o ouvir sobre a importância do nada, do tédio. Dessa espécie de vazio que é precisa (também) como efeito regenerador.
Sem dúvida. Não faço o elogio ingénuo de que esse outro mundo, muito rural, moçambicano, está certo. É óbvio que o que é certo é termos tudo, é termos um pé nos vários sítios. Mas na minha própria história, quando olho para mim, fui uma criança "hiperinactiva" [risos]. Ficava nessa dormência, nessa coisa que não se percebia se era vigília, se era sono, se era sonho. E parece-me que isso foi essencial para mim.

De que modo?
Foi essencial para poder estudar alguma coisa que era o que me interessava: esse lado mais íntimo dos seres. Mesmo que fosse tudo inventado. Não importa se fui escritor: sou uma pessoa muito feliz porque tenho esse tipo de competências que foram criadas por uma coisa que nenhuma escola me deu. E, por distracção ou por incompetência, fui capaz de as desenvolver. Tem a ver com a habilidade de sermos felizes.

A habilidade de sermos felizes é uma coisa dificílima. Está a falar de qualquer coisa que é a busca mais essencial das pessoas, e que é muitas vezes canalizada para o sucesso. Mas a felicidade pode não morar aí.
Pode não morar aí. Já dei aulas a futuros arquitectos; eles perceberam que eu não ia dizer nada que fosse importante do ponto de vista do saber. Eu ia só sugerir que há uma outra maneira de aprender, que é estar atento a coisas a que não nos ensinaram a estar atentos. Devemos olhar sempre para uma construção qualquer, um ninho, uma árvore, uma flor, e perceber que lógica é que está aqui. Esta criatura está a dizer-me qualquer coisa.
Há um mestre que há milhões de anos está fazendo desenhos nisto a que chamamos natureza. Se quisermos chamar-lhe Deus, também podemos chamar. Está a fazer esboços e rascunhos. Vai deitando fora, reescreve, desenha. Se se perceber que lógica está ali presente, temos um mestre que nos dá aulas todos os dias – e de graça. Se olho para a árvore e percebo que a sua forma tem uma razão de ser, se percebo as relações entre água, entre chão, entre a árvore, a luz, passo a ser uma pessoa menos solitária.

Como é que uma pessoa tem disponibilidade para ver uma flor, e tempo? Uma das coisas que marcam os nossos dias é a aceleração. E a fragmentação. Urge parar a roda. Mas isso não nos parece possível.
É muito difícil. Devo muito ao facto de viver naquele lugar, onde, durante muito tempo, as pessoas não eram convocadas para essas urgências nem para essa fragmentação. As pessoas vão verificar que estes formatos de comunicação não as preenchem. Deixou de haver futuro, o passado é uma mentira. É preciso reaprender o gosto de estar com o outro profundamente, de ser o outro. Se me conta uma história que é sua e que só você pode contar, fico preso.

Fica/ ficamos cativos, cativados.
Sim. E todos precisamos disso. É uma coisa genética. Creio que as pessoas vão aprender isso. E não é preciso uma grande escola, basta que lhes aconteça duas, três vezes, em que esse encantamento que morava na infância seja trazido para outro momento. Vão ficar viciadas nisso.

Esse encantamento da infância, hoje encontra-o numa boa história?
Sem dúvida. A questão não é ter tempo, é estar disponível para encontrar esse momento. Porque as pessoas estão aqui à nossa volta, não estão no Facebook, podem ser tocadas.

Falamos disto e não estamos a falar de política, do momento que Moçambique atravessa...
Ainda bem.

Mas essa é uma dimensão fundamental. Foi inclusive uma dimensão fundamental na sua vida, num determinado período em que politicamente esteve empenhado. Outra das tendências modernas é a de segmentar os discursos. Falamos desta disponibilidade para ouvir o outro, para ver a flor, como se fosse uma coisa etérea, só acessível a alguns e por instantes. Outra coisa é a vida concreta, a da política, a da economia, a da guerra, do conflito. Como é que elas coexistem?
Ficamos prisioneiros de um olhar, de um discurso. Aquele discurso da informação, da televisão, do jornal, que nos entrega um mundo que não é verdadeiro. Que não é só aquele. Pensamos que sabemos – o que é pior do que não saber – o que é a Síria e este drama dos refugiados. A importância que damos a isso é a importância que damos ao discurso da política. Esquecemos que hoje a política é o que ela pode ser – muito pouco. Que os políticos podem governar cada vez menos. Que existem outras forças que comandam muito mais. E que essas não as vemos, não sabemos quem está lá.

Os partidos, os sindicatos, esse formato faleceu. Agora estamos todos perante este grande medo, esta grande ausência.



Temos que inventar uma resposta que construa o sentido humano da vizinhança, da proximidade. De chorarmos e cantarmos juntos.

 
São os tais abstractos mercados?
São. Vejo isso no mundo dos livros. Quando comecei a publicar havia mais gente. Agora os formatos de lançamento, os mecanismos de distribuição, o como é que um livro pode aparecer, como é que um autor pode aparecer, é comandado por uma coisa que se chama o mercado, que tomou posse de tudo isto.

O mercado formatou muito mais a vida – em suma, é isso.
Sim, toda a nossa vida. Falámos há bocadinho da língua, da linguagem: chamamos recurso natural à Terra. Dizemos "recursos humanos". As empresas têm directores de recursos humanos, as pessoas são recursos e achamos normal. Não nos interrogamos como é que estamos, nós próprios, a ser reprodutores de uma coisa que nos empacotou.
Esta ausência de grandes soluções, de grandes causas, vai reaproximar-nos. Temos que estar junto de pessoas. Temos que inventar uma resposta que construa o sentido humano da vizinhança, da proximidade. De chorarmos e cantarmos juntos. Os partidos, os sindicatos, esse formato faleceu. Agora estamos todos perante este grande medo, esta grande ausência. Como vamos fazer? O que é que vamos fazer?

Como é que rompemos isto? Estamos com este medo, a aflição, o sistema parece exaurido. Ao mesmo tempo estamos embrenhados nele. E quando ouvimos um discurso como o seu dizemos que seria bom, mas que é idílico.
Talvez eu seja o menos mentiroso. Tenho ideias mas não tenho ideais [risos]. Idealistas também são os grandes políticos que vêm propor grandes soluções. Há pequenas soluções e a grande solução seria repensarmos, mais do que a política, esta civilização, o fundamento desta civilização. Já estamos a ser avisados de que há grandes coisas que fizemos, e que estragámos, que poderão ser irreversíveis.

Isso é o biólogo – que é – a falar.
Não é só o biólogo. Interessa-me salvar a nossa relação connosco, com os outros. Interessa-me que se perceba que em vez de a Terra ser um recurso, nós somos família, somos parte dela.

Voltemos ao livro, para terminar. Olha-o como um lugar de fronteira? O seu amigo e escritor angolano José Eduardo Agualusa disse que "Mulheres de Cinza" é um livro claramente diferente dos anteriores.
É verdade. Aqui há uma coisa que é nova: mais do que nos outros livros, interessa-me a história e não a linguagem. É como se esta história fosse ela própria uma linguagem. Como se esses personagens estivessem já do lado da ficção. E estão, de facto. São criações. Parecem mais verdadeiros, mas são também objecto de grande suspeição da minha parte. Sempre estive na fronteira entre aquilo a que se pode chamar poesia-prosa. Interessa-me caminhar entre universos. Entre o meu lado europeu e o meu lado africano, entre a escrita e a oralidade. Entre diferentes olhares religiosos do mundo. Nisso não mudei.

Quer escolher um verbo para terminar? Caminhar, sonhar, escrever, viver?
Vou-me citar. Inventei uma palavra: "brincriar". É isso que faço. E que todos fazemos.

Remete logo para a infância.
Para uma infância que não passa. Quem cria brinca. E quem brinca cria sempre. Matamos muito. Como fizemos aquele "historicídio", matámos também a infância da nossa espécie. Matámos esses tempos de infância. É [um tempo] francamente desvalorizado. Pergunta-se à criança o que é que ela quer ser quando for grande. Ninguém pergunta o que é que ela quer ser naquele momento enquanto criança. Não é só a criança que está a ser desrespeitada, toda a infância é desrespeitada quando perguntamos uma coisa dessas. E já não sabemos perguntar outras coisas.

Então, o que é que quer ser quando for criança?
Acho que acaba aqui a entrevista. [riso] 

viernes, febrero 19, 2016

Nino Cabero en el Centro Leonés de Arte, por ALDO SANZ

Nino Cabero en el Centro Leonés de Arte | Tam-Tam Press









El artista Nino Cabero, leonés afincado en Barcelona, inaugura este viernes 19 de febrero (a las 20 horas) su exposición “El camino de la serpiente” en el Centro Leonés de Arte (CLA), que se podrá visitar hasta el 17 de abril. El poeta Aldo Sanz escribe sobre las sensaciones y pensamientos provocados por esta muestra que ha podido contemplar un poco antes de su apertura al público…



Por ALDO SANZ
El Centro Leonés de Arte (Avda. Independencia, 18) inaugura el viernes 19 de febrero la exposición “El camino de la serpiente”, de Nino Cabero Morán (Vegellina de Órbigo, León, 1954), artista afincado en Barcelona desde los años 70  del pasado siglo pero con profundas raíces emotivas y familiares en León.
Es de agradecer que dicho Centro mantenga, contra viento y marea, la política y poética de la “acción”, mostrando unas veces obra emergente y, otras, rescatando del olvido trabajos muy interesantes de distintos artistas que por un motivo u otro han quedado bloqueados, dispersos o simplemente descuidados en el magma frío de la desmemoria.
Lo primero que produce la propuesta de Nino“El Camino de la Serpiente”, es perplejidad, lo cual no es un mal punto de partida teniendo en cuenta que es necesario estar atentos a varias ráfagas de información simultánea: imágenes, textos y sonidos, quizás no todos reconocibles a “la primera”. Sonidos de grajos chillando mientras revoloteaban alegremente alrededor de la catedral  durante las tardes de verano, grabados por el propio artista en años sucesivos. Me han dicho que ya no quedan grajos en este paraje tan característico para ello, lo cual, pienso yo, le otorga un plus  de realidad vencida por el transcurso del tiempo y de repente recobrada. “Presencia de la ausencia” que diría Francisco Zapico, el crítico asturiano especializado en Evaristo Valle.
Nino Cabero nos envía varios recados a los que él vuelve una y otra vez con pequeñas variantes, suficientemente sutiles, con las que logra romper la idea de igualdad o repetición. Las “vanidades” ocupan un lugar destacado por su número, 9, y por la fuerza expresiva de su representación. En los títulos nos advierte que son autorretratos, lo que justifica dos cuestiones primordiales. Una, la idea de presente inspirado por el propio presente y, dos, cierta carga paródica de la realidad poética y, por lo tanto, susceptible de manejar diversos resortes técnicos del lenguaje plástico. Otra misiva importante que envía es la referida a obras de “otros”, las que incorpora de manera natural a su lenguaje. Estas obras, de distintas épocas y de pintores dispares entre sí, se refieren a Marcel DuchampIngres y Leonardo da Vinci. Es muy interesante la utilización de La gran Odalisca de Ingres por su figura sinuosa de serpiente, excesivamente alargada por su autor, recogiendo el estilo manierista. Esa sinuosidad queda desvanecida y desdibujada por la única estructura geométrica que presenta en la exposición. En el caso del botellero de Marcel Duchamp, exento, de trazos gruesos y  esquemáticos, el mensaje nos viene dado por el texto. Vuelve aquí el sentido paródico de la narración: la Creación, la Vida y la Muerte con todas las visicitudes que ello conlleva. Somos advertidos del carácter nada fortuito de la obra (“Él encontró un botellero por casualidad. Sin embargo yo he pintado un Duchamp”). Algo similar ocurre con el titulado “La Gioconda, la serpiente y la exacerbación de mi pie muerto”. Una tosca Mona Lisa es rodeada de una serpiente cuya cola es un pie.

Nino Cabero a través de la utilización casi obsesiva de la Serpiente construye un relato simbólico de su mundo expresivo. La fuerza de sus imágenes, muchas de ellas exentas, suspendidas, casi flotando en la pared, proporciona en el espectador un impacto perturbador y primitivo de gran belleza y recogimiento silencioso. Un acierto.

jueves, febrero 18, 2016

La práctica de lo salvaje

La práctica de lo salvaje | FronteraD







La práctica de lo salvaje

Gary Snyder - 18-02-2016


Prólogo


Todos nosotros, especialmente cuando somos jóvenes, nos enfrentamos a preguntas: ¿Quién soy yo? ¿Qué estoy haciendo aquí? ¿Qué está pasando? Crecí en una pequeña granja en el Noroeste del Pacífico norteamericano, en la Isla de la Tortuga. Las aguas colmadas de salmones del estrecho de Puget estaban cerca, y “lo que estaba pasando” era la implacable deforestación de uno de los más imponentes bosques de todos los tiempos.

La vasta extensión de enormes árboles en el litoral del Pacífico Noroeste era un fenómeno botánico y ecológico de formidables proporciones. Originó, junto con los bosques de secuoya roja algo más al sur, las coníferas más grandes del mundo. A esta expresión maravillosa de los procesos naturales llegaron los euroamericanos, que, de inmediato, devastaron el crecimiento de siglos para transformarlo en las casas de las ciudades cada vez más grandes de la Costa Oeste. Para mí, la pregunta “¿quién soy yo?” estaba ligada a mi pertenencia juvenil a una sociedad en expansión sin conciencia alguna del pasado o del futuro medioambiental. Nuestra granja se encontraba lo bastante cerca de ese mundo original de la naturaleza salvaje como para absorber algunas enseñanzas de primera mano de las lagunas, los bosques y la alta montaña. El valor de esas experiencias se consolidó con mi posterior formación intelectual, y me dediqué al estudio juvenil de la historia humana y natural, con un ojo puesto en reconocer las huellas de la injusticia y la explotación.

A los diecisiete años me hice socio de la Wilderness Society, una organización que todavía lleva a cabo una buena labor, y más tarde me afilié a un club de montañismo llamado Mazamas, con sede en Oregón. Me convertí no solo en montañero y trabajador forestal temporal –incluyendo faenas de leñador–, sino también en un defensor de la naturaleza salvaje. A lo largo de los años he desempeñado mi trabajo en montañas y bosques de todo el Oeste americano, y después en Japón, y un poco en Taiwán y Nepal. Comencé a impartir talleres para pequeños grupos, y clases por toda Norteamérica, enseñando la disciplina, el conocimiento y las destrezas que creía necesarias para apreciar la feroz ordenación de lo salvaje.

Trabajar con personas de lugares remotos de Alaska, o del centro de Manhattan o de Tokio en cuestiones relacionadas con la ecología y las estrategias medioambientales, las especies amenazadas, las culturas primarias y las religiones de Asia oriental es lo que ha dado pie a estos ensayos.

También plantean un enfoque espiritual. Mi propio camino es una suerte de budismo arcaico, que no ha perdido su vínculo con las raíces animistas y chamánicas. El respeto por todos los seres vivos es una parte primordial de esta tradición. He intentado enseñar a otros a meditar y adentrarse en las zonas salvajes de la mente. Como sugiere uno de estos ensayos, incluso el lenguaje puede ser visto como un sistema salvaje.

Un término clave es la práctica, entendida como un esfuerzo sostenido, deliberado y consciente por acompasarnos con mayor sutileza con nosotros mismos y la verdadera condición del mundo existente. El mundo, exceptuando una mínima intervención humana, es en última instancia un lugar salvaje. Es esa la parte de nuestro ser que dirige la respiración y la digestión, y cuando se observa y aprecia es una fuente de lúcida inteligencia. Las enseñanzas del budismo son realmente sobre la práctica y muy poco teóricas, aunque la teoría es tan atrayente que a lo largo de su historia ha provocado una ligera y sugerente desorientación en muchos.

La práctica de lo salvaje propone que nos ocupemos de algo más que de la ética medioambiental, la acción política o un activismo útil e ineludible. Debemos enraizarnos en la oscuridad de nuestro ser más profundo. Una recopilación de ensayos posterior, A place in Space, sugiere que la mayor parte de ese arraigo tiene lugar en comunidades, que existen, lo sepamos o no, en “naciones naturales” conformadas por cadenas de montañas, cursos de ríos, planicies y humedales.

Nada de lo que aquí se dice pretende poner en duda la elegancia, el refinamiento, la belleza o la llamativa complejidad de eso que llamamos civilización, particularmente aquella que prima la cualidad sobre la cantidad y que no es solo una excusa para la piratería global internacional. Me atrae la idea de que la cultura misma tenga un sesgo salvaje. Como manifestó hace años Claude Lévi-Strauss, las artes son el territorio salvaje que sobrevive en la imaginación, como parques nacionales en el interior de las mentes civilizadas. El abandono y el deleite al hacer el amor, tantas veces cantado, es parte de nuestro gozoso carácter salvaje. ¡Sexo y arte por igual! Lo que quizás no vimos con tanta claridad era que la realización personal, e incluso la iluminación, es otro aspecto de nuestra condición salvaje, un vínculo de esa cualidad que hay en nosotros con los procesos (salvajes) del universo.

Mi motivación debe mucho a ser un euroamericano viviendo en el Nuevo Mundo, en un lugar semisalvaje. Considerando el planeta en su conjunto, se observa que los problemas no son muy diferentes en cualquier lugar de la Tierra. El mundo entero tenía buenos bosques y mucha fauna salvaje hasta hace unos cuantos siglos. Las comunidades humanas disfrutaban de un gran espacio, excelente agua y buena tierra. Y sumando o restando unos pocos miles de años, todos hemos estado viviendo en pequeñas comunidades de subsistencia durante la mayor parte de la historia humana. Ese tipo de vida tenía sus inconvenientes, pero hay lecciones y destrezas relativas a esa larga historia que todavía no hemos asumido ni incorporado a nuestras actuales ocupaciones.

Lo salvaje, tantas veces despachado como caótico y brutal por los pensadores civilizados, responde en realidad a un orden imparcial, implacable y hermoso, a la vez que libre. Su expresión, la plenitud de la vida animal y vegetal en el planeta, que incluye las tormentas, los vendavales, las serenas mañanas de primavera y a nosotros mismos, es el mundo real, al que todos pertenecemos. Estoy profundamente agradecido por haber podido recorrer este sendero, estudiando con maestros en Oriente y Occidente, y haber disfrutado de la oportunidad de escribir y expresar mis ideas para todo aquel que ha querido escuchar.


El protocolo de la libertad. El pacto

Una tarde de junio a principios de los años setenta, caminaba entre rumorosos pastos dorados hacia una cabaña, cuidada pero sin pintar, en el confín de un rancho en la cuenca del río Yuba del Sur, al norte de California. La cabaña no tenía puerta ni cristales en las ventanas. Estaba a la sombra de un gran roble negro y parecía deshabitada. Mi amigo, un estudioso de los idiomas y la literatura nativos de California, entró sin llamar. A un lado, ante una mesa de madera vacía y con un tazón de café, se sentaba un recio indio viejo y canoso. Nos recibió y saludó a mi amigo, ofreciéndonos solemnemente café soluble y leche condensada. Nos dijo que estaba bien, pero que nunca más volvería al hospital de veteranos. De ahora en adelante, en caso de enfermar, se quedaría donde estaba. Le gustaba su casa. Charlamos un buen rato sobre la gente y los lugares a lo largo de la ladera occidental del norte de la Sierra Nevada, el territorio de los concow y los nisenan. Finalmente, mi amigo le anunció la buena noticia: “Louie, encontré a alguien que habla nisenan”. Es posible que no hubiera más de tres personas vivas que lo hablaran entonces, y Louie era uno de ellos. “¿Quién?”, preguntó Louie. Mi amigo le dijo el nombre de una mujer: “Vive detrás de Oroville. Si quiere, la traigo y los dos podrán conversar”. “La conozco desde hace mucho tiempo”, dijo Louie. “No querrá venir aquí. No creo que deba verla. Además, su familia y la mía nunca se llevaron bien”.

Aquello me dejó sin aliento. Estaba frente a un hombre que no permitía que la mera amenaza de extinción cultural se cruzara en el camino de sus valores, o los de ella. Entre blancos corteses y bienintencionados su respuesta es casi incomprensible; pero en el mundo de su gente, nunca superpoblado, lleno de bellotas, ciervos, salmones y plumas de pájaro carpintero, aferrarse a semejante pureza, ser escrupulosos en temas de familia y clan, eran lujos asumibles. Louie y su paisana nisenan tenían asuntos más importantes entre ellos que entablar conversación. Creo que él lo veía como un modo de preservar su dignidad, su orgullo y su propio destino –sin importar las estrecheces que padecían– hasta el final.

Coyote y ardilla de tierra no quiebran el pacto que los une, en el que uno debe jugar a ser depredador y el otro presa. En la naturaleza salvaje un lebrato de cola negra quizá no tenga más de una oportunidad de cruzar una pradera a la carrera sin levantar la vista. No existirá la segunda. Cuanto más afilado el cuchillo, más limpia la línea del corte. Podemos valorar la elegancia de las fuerzas que conforman la vida y el mundo, dando forma a cada uno de los perfiles de nuestro cuerpo: dientes y uñas, pezones y cejas. También entendemos que hay que intentar vivir sin causar daño innecesario, no solamente a nuestros semejantes, sino a todos los seres. Debemos intentar no ser codiciosos ni aprovecharnos de los demás. Ya habrá suficiente dolor en el mundo tal como es.

Tales son las lecciones de lo salvaje. La escuela en que pueden ser aprendidas, los feudos del caribú y el alce, del elefante y el rinoceronte, de la orca y la morsa, menguan cada día que pasa. Seres que han viajado con nosotros a través de los tiempos están ahora aparentemente condenados, a medida que su hábitat –el viejo, el antiguo hábitat de los humanos– se colapsa frente a la explosión ralentizada de las rampantes economías mundiales. Si está entre nosotros el muchacho o la muchacha que conoce dónde se oculta el secreto corazón de este monstruoso crecimiento, que por favor diga hacia dónde apuntar la flecha que lo contenga. Y si el corazón secreto permaneciera escondido y nuestra labor en nada se aliviara, yo, por mi parte, trabajaré día a día a favor de lo salvaje.

Salvaje y libre. Una frase del sueño americano que pierde imágenes: un semental de largas crines galopando a través de la pradera, la uve de las barnaclas canadienses graznando en las alturas, una ardilla chachareando mientras salta de rama en rama sobre nosotros en un roble. También suena a un anuncio de Harley-Davidson. Ambas palabras, profundamente políticas y delicadas, se han convertido en fruslerías del mercado. Espero investigar el significado de salvaje y cómo se relaciona con libre y lo que uno podría hacer con esto. Ser verdaderamente libre es aceptar las condiciones esenciales tal como son: dolorosas, transitorias, abiertas e imperfectas, y al mismo tiempo, agradecer esa transitoriedad y la libertad que nos concede, porque la libertad no existiría en un universo preestablecido. Con esa libertad mejoramos el campamento, educamos a los niños, derrocamos a tiranos. El mundo es naturaleza, inevitablemente salvaje a la larga, ya que lo salvaje, como proceso y esencia de lo natural, también es una ordenación de lo transitorio.

A pesar de que naturaleza sea un término que en sí no resulta amenazante, la concepción de “salvaje” que tienen las sociedades civilizadas, tanto en Europa como en Asia, se asocia comúnmente con desorden, desobediencia y violencia. La palabra china para naturaleza es zi-ran; en japonés, shizen, que significa “el ser, así ”. Se trata de una palabra banal y genérica. En chino, la palabra para naturaleza es ye (en japonés,ya), que básicamente quiere decir “campo abierto”, aunque tiene un amplio abanico de acepciones: en diferentes combinaciones el término significa “conexión ilícita”, “territorio desierto”, “hijo ilegítimo” (niño de campo abierto), “prostituta” (flor de campo abierto) y demás. En un caso interesante, ye-man zi-yu (“campo abierto, persona-sureño-tribal-libertad”) significa “licencia salvaje”. En otro contexto, “cuento de campo abierto” se torna en “ficción y amoríos ficticios”. También son frecuentes las asociaciones con lo rústico y lo inculto.


De alguna manera, ye viene a significar “la naturaleza en su peor expresión”. A pesar de que los chinos y los japoneses han alabado de boquilla a la naturaleza desde antiguo, es probable que solo los primeros taoístas hayan pensado que la sabiduría emana de lo salvaje.

Thoreau dice: “Dadme una naturaleza salvaje que ninguna civilización pueda soportar”. Lo cual, claramente, no es difícil de encontrar. Más difícil es imaginar una civilización que lo salvaje pueda soportar, aunque esto sea, justamente, nuestra obligación. Lo salvaje no es solo la “preservación del mundo”, es el mundo. Todas las civilizaciones, ya sean orientales u occidentales, hace tiempo que siguen un rumbo de colisión con la naturaleza salvaje, y hoy existen naciones desarrolladas que tienen el insensato poder de erradicar de la faz de la tierra no solo seres, sino especies y procesos completos. Necesitamos una civilización que pueda convivir entera y creativamente con lo salvaje. Y debemos comenzar a hacerla crecer aquí, en el Nuevo Mundo.

Cuando hoy en día evocamos la naturaleza salvaje en América, solemos pensar en regiones remotas y quizás categorizadas que casi siempre son alpinas, desérticas o pantanosas. Hace solo unos siglos, cuando virtualmente todo era salvaje en el continente, la naturaleza no era algo particularmente severo. Los berrendos y los bisontes recorrían las praderas, los ríos estaban llenos de salmones, las almejas cubrían hectáreas, y el oso pardo, el puma y el muflón eran comunes en las tierras bajas. También existían los seres humanos: Norteamérica estaba completamente poblada. Se podría afirmar que sin gran densidad, pero eso depende de quién lo diga. De hecho, había gente por todas partes. Después de que el soldado de infantería Alvar Núñez Cabeza de Vaca y sus dos compañeros –uno de los cuales era africano– naufragaran en la playa de lo que hoy es Galveston, caminaron los tres, entre 1528 y 1536, hasta el valle del Río Grande y luego hacia el sur y México. En contadas ocasiones durante esos ocho años no descansaron en poblados o campamentos nativos. Y siempre siguieron senderos.

Vivir en una cultura de naturaleza salvaje ha sido siempre parte de la experiencia esencial de los seres humanos. No ha existido entorno salvaje sin algún tipo de presencia humana durante cientos de miles de años. La naturaleza no es un sitio que se visita, es nuestro hogar, y en ese territorio hay lugares que nos son menos o más familiares. A veces hay áreas que son difíciles y remotas, pero todas son conocidas y hasta tienen nombre. Un día de agosto me encontraba en un puerto de la cordillera de Brooks, al norte de Alaska, en el nacimiento del río Koyukuk, un paso verde en la tundra a 900 metros de altura entre amplias y suaves cordilleras que divide las aguas que van al océano Ártico desde el Yukón. Se trata de un lugar tan remoto como el que más en Norteamérica, donde no hay caminos y las sendas son las que abren los caribúes en sus migraciones. Sin embargo, este paso ha sido usado sistemáticamente por los inupiaq de la ladera norte y por los atabascanos del Yukón como su ruta comercial de norte a sur, desde hace al menos siete mil años.

Todos y cada uno de los collados y lagos de Alaska fueron nombrados en alguno de los doce o más idiomas hablados por los nativos, como demuestran las investigaciones de Jim Kari (1982; l985) y otros. Por su parte, los cartógrafos euroamericanos les dieron los nombres de exploradores de paso, sus propias novias o sus lugares de nacimiento en el resto de Estados Unidos. Básicamente, todo está en la historia nativa y, sin embargo, solo se vislumbra una mínima huella de la presencia humana a lo largo de ese dilatado periodo. Las historias basadas en lugares que relata la gente y los nombres que pusieron son su arqueología, su arquitectura y su título sobre la tierra. Eso sí que es vivir ligeros.

Las culturas de los entornos salvajes viven de acuerdo con las lecciones de la vida y la muerte de las economías de subsistencia. Pero ¿qué queremos decir hoy con las palabras salvaje e, incluso, naturaleza? Los idiomas trazan meandros como los grandes ríos, dejando cursos curvos sobre lechos olvidados, solo visibles desde el aire o por los estudiosos. El lenguaje es como una familia de especies infinitamente híbrida que se expande o declina misteriosamente con el tiempo, cruzándose de forma desvergonzada e inagotable, y que cambia sus propias reglas a medida que avanza. Las palabras se utilizan como signos, como sustitutos, de forma arbitraria y temporal, incluso cuando la lengua refleja e informa de los valores cambiantes de las gentes cuyas mentes habita y recorre. Tenemos fe en el “significado” de la misma manera en que podemos creer en los glotones, confiando en los informes ocasionales de terceros o en la autoridad que nos concede haber visto una vez una piel; pero a menudo vale la pena rastrear de vuelta a esos pícaros.


Las palabras naturaleza, salvaje [wild] y selva [wilderness](1)

Comencemos por naturaleza. La palabra naturaleza proviene del latín natura,“nacimiento, constitución, carácter, curso de las cosas”, originalmente de nasci, nacer. De ella derivan nación, natal, nativo, preñada. La probable raíz indoeuropea (a través del griego gna, de ahí cognado y agnado) es gen, que proviene del sánscrito jan, que a su vez nos da generar y género, y las palabras kin y kind en inglés.

La palabra tiene dos significados ligeramente diferentes. Uno es “el exterior”, el mundo físico, que incluye a todos los seres vivos. Por definición, la naturaleza es un ordenamiento del mundo que se aparta de las características o creaciones de la civilización y la voluntad humana. Se dice que son “antinaturales” la máquina, el artefacto, lo inventado o lo extraordinario (como una ternera bicéfala). El otro significado, más amplio, es “el mundo material o el conjunto de sus objetos y fenómenos”, incluyendo los productos de la acción e intención humana. En tanto agente, la naturaleza se define como “la acción física creadora y reguladora que opera en el mundo material y es causa inmediata de todos sus fenómenos”. El pensamiento científico y algunos tipos de misticismo proponen correctamente que todo es natural. En este marco la ciudad de Nueva York no tiene nada de antinatural, ni tampoco los desechos tóxicos o la energía atómica, y por definición nada de lo que hacemos o experimentamos en la vida es “antinatural”.

¿Qué constituye entonces lo “sobrenatural”? Una manera de abordarlo es decir que designa fenómenos ocurridos a tan pocas personas que se duda de su existencia. Sin embargo, estos hechos –fantasmas, dioses, transformaciones mágicas y demás– se describen con suficiente frecuencia como para que sigan intrigándonos y, para algunos, sean creíbles.

Preferiría usar la palabra naturaleza referida al universo físico y todas sus propiedades. Pero, a veces, incluso aquí, aparecerá con el significado de “aire libre” o “lo no humano”.

La palabra wild es como un zorro gris alejándose al trote por el bosque, ocultándose tras los arbustos, apareciendo y desapareciendo. De cerca, a primera vista, es “wild” [salvaje]; observado nuevamente más lejos entre los árboles será wyld, y por vía del antiguo noruego villr y el antiguo teutónico wilthijaz, retrocede a un vago y preteutónico ghweltijos, que aún significa “salvaje” y quizás “boscoso” (wald). Ahí se esconde, con conexiones posibles con will, con el latín silva (selva, salvaje) y con su raíz indoeuropea ghwer, origen del latín ferus, del cual provienen feral y feroz (que nos lleva nuevamente a lo que Thoreau llama “la terrible ferocidad”, que comparten los amantes y las personas virtuosas). El Oxford English Dictionary describe el término de la siguiente manera:

Animales: sin domar, sin domesticar, rebeldes.

Plantas: sin cultivar.

Su traducción al castellano por “selva” no tiene la misma correspondencia etimológica,
pero hemos preferido no alterar una argumentación que consideramos importante.


Tierra: deshabitada, inculta.

Cosechas: producidas o surgidas sin labranza.

Sociedades: incivilizadas, rudimentarias, que se resisten al Gobierno constituido.

Individuos: sin restricciones, insubordinados, licenciosos, viciosos, rústicos. (“Viudas salvajes y maliciosas”, 1614).

Conductas: violentas, destructivas, crueles, rebeldes.

Conductas: simples, libres, espontáneas. (“[...] trina las salvajes notas de sus bosques nativos”. John Milton)

Salvaje se define principalmente en nuestros diccionarios por lo que, desde el punto de vista humano, no es. Con esa perspectiva no puede revelarse lo que sí es. Veámoslo de otra manera:

Animales: agentes libres, cada uno con sus propias cualidades, viviendo dentro de los sistemas naturales.

Plantas: que proliferan y se mantienen por sí mismas, creciendo de acuerdo a sus cualidades innatas.

Tierra: un lugar en el que la vegetación y la fauna originales y potenciales están intactas, en interacción plena, y en el que los accidentes del terreno son enteramente el resultado de fuerzas no humanas. Prístino.

Cosechas: suministro de alimentos provisto y sostenible por la abundancia y la fertilidad naturales de las plantas silvestres en su crecimiento y producción de frutas y semillas.

Sociedades: aquellas cuyo orden surge intrínsecamente y se mantiene por la fuerza del consenso y la costumbre, en contraposición a una legislación explícita. Las culturas primigenias, que se consideran a sí mismas moradoras originales y eternas de su territorio. Sociedades que confrontan la dominación económica y política de la civilización. Sociedades cuyo orden económico está en relación cercana y sostenible con el ecosistema local.

Individuos: que siguen los hábitos, estilos y protocolo locales sin preocuparse por los estándares de la urbe o de los lugares de intercambio más cercanos. Valeroso, autosuficiente, independiente. “Orgulloso y libre”.

Carácter: que resiste ferozmente cualquier opresión, confinamiento o explotación; atrevido, escandaloso, “malo”, admirable.

Conducta: natural, libre, espontánea, no condicionada. Expresiva, física, abiertamente sexual, extática.

La mayoría de los sentidos de esta segunda lista se acerca a la manera en que los chinos definen el término tao, “el camino” de la gran naturaleza; supone eludir el análisis, ir más allá de las categorías, ser auto-organizado, auto-informado, lúdico, sorprendente, transitorio, insustancial, autónomo, completo, ordenado, sin mediaciones, con legitimidad y disposición propias, complejo, bastante simple. Simultáneamente vacío y lleno. En algunos casos lo llamaríamos sagrado y no está lejos del término budista dharma en sus sentidos originales de formarse y afirmarse.

La palabra [wilderness], antes wyldernesse, del inglés antiguo wildeornes, quizás derivado de wild-deer-ness –deor: ciervos y otros animales del bosque–, aunque más probablemente de wildern-ness, tiene estas acepciones: 

Una extensión amplia de tierra salvaje, con flora y fauna originales, que puede ser desde una jungla cerrada o bosque húmedo hasta terrenos árticos y alpinos de “selva blanca”.

Tierra baldía, un área sin uso o inservible como pasto o tierra de labor.

Un espacio de mar o aire, como en la cita de Shakespeare, “Ahora soy como aquel que está sobre una roca, rodeado por un desierto de mar” (Tito Andrónico). Los océanos.

Un lugar peligroso y difícil donde se asumen riesgos, se depende de la propia pericia y no se cuenta con ser rescatado.

El mundo, en contraposición al cielo. “Caminé a través de la selva de este mundo” (El progreso del peregrino).

Un lugar de abundancia, como en la frase de John Milton “una selva de bienes”.

El uso que Milton hace de la palabra selva captura las verdaderas cualidades de energía y riqueza presentes tan a menudo en los sistemas salvajes. “Una selva de bienes” se asemeja a los billones de pequeños arenques o caballas en el océano, a los kilómetros cúbicos de kril, a las semillas de la hierba de las praderas salvajes, que llevan al pan de nuestros días, hecho de los gérmenes de las hierbas, y a la increíble fecundidad de todos los pequeños animales y plantas que alimentan la red. Pero, por otra parte, lo selvático sugiere el caos, el eros, lo desconocido, el ámbito del tabú, el hábitat tanto de lo extático como de lo demoníaco. En ambos sentidos es un lugar arquetípico de poder, enseñanza y desafío.


La condición salvaje

De manera que podemos afirmar que las ciudades de Nueva York y Tokio son “naturales” sin ser “salvajes”. No se desvían de las leyes de la naturaleza, pero se trata de hábitats tan exclusivos en cuanto a quién y a qué dan cobijo –además de tan intolerantes para con otros seres– que constituyen una verdadera rareza. Un entorno salvaje es un lugar en el cual el potencial salvaje se expresa de lleno, como en la diversidad de seres vivos y no vivos que florecen de acuerdo a su propio sentido del orden. En ecología hablamos de “sistemas salvajes”. Cuando un ecosistema funciona plenamente, todos sus miembros están presentes en la asamblea. Hablar de naturaleza salvaje es hablar de totalidad. Los seres humanos surgieron de ella, y considerar la posibilidad de reactivar nuestra pertenencia a la asamblea de todos los seres no es en absoluto retrógrado.

Llegado el siglo XVI, las tierras de Occidente, los países de Asia y todas las civilizaciones y ciudades desde el subcontinente indio hasta la costa del norte de África se estaban empobreciendo ecológicamente. La población se tornaba rápidamente analfabeta en cuanto a la naturaleza. Mucha de la vegetación original había sido destruida por la expansión del pastoreo o la agricultura, y las tierras restantes no tenían gran valor económico: eran baldíos, regiones montañosas y desiertos. Los animales que quedaban –grandes felinos, borregos cimarrones, seraus(2) y otros– lograron sobrevivir retirándose a los hábitats más hostiles. Los líderes de estas civilizaciones crecieron con cada vez menos conocimiento sobre el comportamiento animal y no fueron educados en el amplio espectro de sabiduría botánica que había sido universal. En su lugar aprendieron “gestión de recursos humanos”, administración y habilidades retóricas. Solo los campesinos más marginales, gente de la tierra, conservaron el conocimiento práctico sobre plantas y animales y la memoria de los antiguos hábitos. Quienes crecieron en pueblos y ciudades, o en grandes haciendas, tenían menos oportunidades de aprender cómo operaban los sistemas salvajes. Más tarde, amplias esferas de mitologías ciudadanas (la cristiandad medieval y, después, el auge de las ciencias) negaron primero el alma; luego, la conciencia y, finalmente, hasta la cualidad sentiente del mundo natural. En ese clima de ideología mecanicista y negadora de la naturaleza, multitudes de europeos perdían la oportunidad de tener una experiencia directa de ella.

Apareció así una nueva especie de viajero de la naturaleza: hombres que partieron como buscadores de recursos, financiados por compañías o familias aristocráticas, y que penetraban en los territorios levemente poblados de quienes vivían inmersos en la naturaleza salvaje. Se trataba de conquistadores y sacerdotes. Europa había exterminado los lobos y los osos, había deforestado regiones enteras y agotado los pastos. La búsqueda de esclavos, pescado, azúcar y metales preciosos sobrepasó los límites del horizonte hasta abarcar Asia, África y el Nuevo Mundo. Estos estados licenciosos y beligerantes se levantaron de nuevo contra la naturaleza salvaje y las sociedades naturales: gentes que habían vivido sin Iglesia ni Estado. En retribución, a cambio de oro o azúcar crudo, los hombres blancos tuvieron que entregar algo de sí mismos e indagar lo que para ellos significaba considerarse un ser humano, ponderar sobre la naturaleza de las jerarquías y preguntarse si la vida valía el honor de un monarca o el precio del oro (un hombre perdido y hambriento se detiene y examina el filo mellado de su espada y su raída capa española en una ciénaga de Florida).

Algunos, como Nuño de Guzmán, se volvieron locos y sádicos. “Cuando comenzó a gobernar esta provincia, había en ella 25.000 indios, sojuzgados y pacíficos. De ellos vendió 10.000 como esclavos, y los otros abandonaron sus aldeas temiendo la misma fortuna”. (Todorov, 1985, 134). Cortés, el conquistador de México, terminó su vida derrotado y deprimido, mendigando un trono. Alvar Núñez, que durante ocho años caminó desnudo a través de Texas y Nuevo México, salió transformado en una persona del Nuevo Mundo. Había retomado las antiguas costumbres y nunca volvió a ser el mismo. Su corazón se tornó compasivo y adquirió el gusto por la autosuficiencia y la simplicidad, y el don de la sanación. Los tipos de Guzmán y Núñez aún se encuentran entre nosotros. Hubo otra persona que también cruzó el escenario noh de la historia de Isla de la Tortuga para estrecharle la mano a Alvar Núñez en el extremo opuesto del mismo proceso: Ishi el yaki, que entró en la civilización con tanta desesperación como Alvar Núñez cuando salió de ella. Núñez fue el primer europeo en encontrar América del Norte y su mente mítica original; Ishi fue el último nativo norteamericano que conoció esa mente, y hubo de dejarla atrás. El espacio dentro de ese paréntesis no está muerto ni perdido. Está perennemente dentro de nosotros, dormido como una semilla de dura cáscara, esperando el fuego o la riada que lo despierte de nuevo.

En el transcurso de aquellos siglos, decenas de millones de indios de ambos continentes americanos sufrieron muertes tempranas y violentas, al igual que innumerables europeos. Se extinguió la manada de mamíferos más grande del mundo –la de búfalos–, y desaparecieron quince millones de berrendos. La mayoría de las praderas y el suelo que las sustentaba ya no existen, y solo quedan fragmentos de los antiguos bosques primarios de árboles de hoja caduca del Este y coníferas del Oeste. Todos podríamos añadir cosas a esta lista.

Se suele decir que la frontera dio un giro particular a la historia norteamericana. Una frontera es un borde ardiente, un jirón, una rara zona de comercio entre dos mundos absolutamente diferentes. Es una franja en la que hay pieles, lenguas y pezones a mansalva. Existe una línea casi perceptible que la persona de una cultura invasora podría atravesar, saliendo de la historia y adentrándose en un presente perpetuo, en una forma de vida acompasada con la lentitud y la continuidad de los procesos naturales. La posibilidad de entrada en un mundo definido por un tiempo mítico había sido prácticamente olvidada en Europa. Su redescubrimiento –la angustiosa visión de un yo natural– ha perseguido a los pobladores euroamericanos a medida que desbrozaban y pavimentaban los muchos rincones salvajes del continente norteamericano.

La naturaleza salvaje es hoy, en la mayor parte de Norteamérica, lugares que han sido oficialmente preservados en terreno público, predios del Servicio Forestal o la Oficina de Administración de Tierras, o parques estatales y nacionales. Algunas áreas –mínimas pero críticas– están en manos de grupos privados sin ánimo de lucro, como The Nature Conservancy o el Trust for Public Land. Son los santuarios preservados de todo un territorio que en tiempos fue conocido y habitado por sus pobladores primigenios, pequeños fragmentos que se dejaron tal y como eran, los últimos lugares en los que la naturaleza esencial gime, florece, anida y centellea sin cesar. Constituyen solo el dos por ciento del territorio de los Estados Unidos.

Pero lo salvaje no se restringe al dos por ciento de las tierras formalmente catalogadas como tales. Si cambiamos de escala, está en todas partes: poblaciones imposibles de erradicar de hongos, musgos, moho, levaduras y similares que nos rodean y habitan. También hay ratones en el porche trasero, ciervos que atraviesan la carretera a saltos, palomas en el parque y arañas por las esquinas. Había grillos en la taquilla de la pintura del petrolero Sappa Creek, en el que trabajé de limpiador en medio del Pacífico lavando brochas en la sala de máquinas. Seres de una complejidad exquisita, integrados en sus redes energéticas, habitan las esquinas fértiles del mundo urbano de acuerdo a las reglas de los sistemas salvajes: las recias matas y tallos visibles en los solares abandonados y entre las vías de los ferrocarriles, las constantes hordas de mapaches, las bacterias en la marga y en nuestro yogur. La palabra cultura, tanto en la acepción de “una vida estética e intelectual deliberadamente sostenida”, como en su significado de “la totalidad de las pautas de comportamiento que se transmiten socialmente”, nunca está demasiado lejos de una raíz biológica que significa, al igual que en la “cultura del yogur”, un hábitat nutricio. La civilización es permeable y podría estar tan habitada como lo está lo salvaje.

La condición salvaje puede menguar temporalmente, pero su esencia no desaparece. Una naturaleza salvaje fantasma sobrevuela la totalidad del planeta: los millones de semillas minúsculas de la vegetación original están escondidas en el barro de la patita de un charrán ártico, en la seca arena del desierto o en el viento. Cada una de estas semillas está específicamente adaptada a un suelo o una circunstancia particular, con su pequeña forma y pelusa, lista para flotar, congelarse o ser engullida, preservando siempre el germen. La naturaleza salvaje volverá irremediablemente, pero no será a un mundo tan magnífico como aquel que brillaba en la mañana temprana del Holoceno. Se habrá perdido mucha vida en la estela de la actividad humana sobre la Tierra, la de los siglos XX y XXI. Mucho se ha perdido ya, como revelan los suelos y las aguas:

“¿Qué es esa cosa oscura en el agua?

¿No es una nutria cubierta de petróleo?”.

¿Dónde empezamos a resolver la dicotomía entre lo civilizado y lo salvaje?

¿Realmente piensas que eres un animal? Hoy esto se aprende en el colegio. Es una fracción de información maravillosa: la he disfrutado toda la vida y vuelvo a ella una y otra vez, como algo que investigar y comprobar. Crecí en una granja pequeña con vacas y gallinas y un bosque secundario lindando con la valla trasera, por lo que tuve la suerte de ver al animal y al ser humano en el mismo dominio. Sin embargo, muchos de los que han escuchado esta noticia desde la infancia no han absorbido sus implicaciones. Quizás se sienten distantes del mundo no humano, y no están seguros de ser animales. Les gustaría sentir que tal vez sean algo mejor que un animal. Es comprensible, ya que también otros animales pueden sentir que son algo más que “solo animales”. Pero debemos observar el territorio compartido de nuestro ser biológico antes de hacer hincapié en las diferencias.

Nuestros cuerpos son salvajes: el rápido giro involuntario de la cabeza ante un grito, el vértigo al mirar sobre un precipicio, el corazón en la garganta en un instante de peligro, la recuperación del aliento, los silenciosos momentos reponiéndose, observando, reflexionando... Todas son respuestas universales del cuerpo mamífero y están presentes en el conjunto de nuestra clase biológica. El cuerpo no requiere la intercesión de un intelecto consciente para hacerlo respirar o mantener el latido del corazón. Es en gran medida autónomo y tiene vida propia. Las sensaciones y la percepción no provienen exactamente del exterior, y el insistente flujo de pensamientos e imágenes no se encuentra completamente en el interior. El mundo es nuestra conciencia y nos rodea. Hay más cosas en la mente, en la imaginación, de las que “tú” puedas llevar cuenta: pensamientos, recuerdos, imágenes, enojos y gozos surgen espontáneamente. Las profundidades de la mente, el inconsciente, son nuestras áreas salvajes interiores, y es ahí donde ahora hay un lince. No me refiero a linces personales en psiques particulares, sino al lince que deambula de sueño en sueño. El ego consciente y planificador ocupa un territorio muy restringido, un pequeño habitáculo cerca de la verja de acceso que lleva la cuenta de parte de lo que entra y sale –a veces intentando conspiraciones  expansionistas–, pero el resto se ocupa de sí mismo. El cuerpo se encuentra, por así decirlo, en la mente. Ambos son salvajes.

Algunos dirán: “Hasta aquí, de acuerdo, somos mamíferos primates, pero tenemos lenguaje, y los animales no”. Quizás tengan razón en función de ciertas definiciones, pero también los animales se comunican profusamente, y a través de sistemas de llamadas que solo comenzamos a entender ahora.

Sería un error pensar que los seres humanos se volvieron “más listos” en algún momento e inventaron primero el lenguaje y luego la sociedad. El lenguaje y la cultura brotan de nuestra existencia biológica, social y natural, como animales que fuimos y somos. El lenguaje es un sistema de la mente y el cuerpo que coevolucionó con nuestras necesidades y nervios. Como lo hacen la imaginación y el organismo, el lenguaje surge de manera espontánea y tiene una complejidad que elude nuestra capacidad racional e intelectual. Todos los intentos de descripción científica de los lenguajes naturales se han quedado cortos, como confiesan sin ambages los lingüistas descriptivos, y, sin embargo, el niño aprende su lengua materna muy temprano y a los seis años de edad prácticamente la domina. La lengua se aprende en casa y en el campo, no en el colegio. Sin haber estudiado nunca gramática formal, pronunciamos frases sintácticamente correctas, una tras otra, todas las horas de vigilia de los años de nuestra vida. Sin mediación consciente, recurrimos sin cesar al vasto tesoro de vocablos en las profundidades del inconsciente salvaje. Ni como individuos ni como especie podemos reclamar mérito alguno por este poder. Vino de otro sitio; de la forma en que se dividen y agrupan las nubes (y de las espirales de energía que se enroscan primero hacia atrás y después hacia delante), de la manera en que los muchos brotes de una inflorescencia se dividen y redividen, de la caligrafía centelleante de los antiguos lechos del río Yukón bajo los actuales que fluyen desde la meseta del Yukón, del viento en las agujas de los pinos, de los cantos del urogallo entre los arbustos de ceanoto.

La enseñanza del idioma en las escuelas pretende acotar una pequeña parte del territorio del proceder del lenguaje y cultivar algunos atributos predilectos: modalidades elitistas culturalmente definidas que ayudan a postularse para un trabajo o a facilitar la aceptación social en una fiesta; hasta es posible aprender a producir ese artefacto bizantino denominado “ensayo académico”. Hay muchas y excelentes razones para dominar tales cosas, pero el poder, la virtus, sigue estando del lado salvaje.

El orden social está presente a través de la naturaleza y es muy anterior a los libros y los códices legales. Es parte inherente de lo que somos, y sus modelos siguen los mismos pliegues, controles y equilibrios que la piel y la piedra. Lo que llamamos “organización social” y “buen gobierno” son un conjunto de normas de las que la mente analítica se ha apropiado a partir de los principios operativos de la naturaleza.


El mundo observa

En la costa noroeste de Estados Unidos hay un dicho: “El mundo es tan afilado como la hoja de un cuchillo”. ¿Cuál es la perspectiva de las comunidades para las que no existe una gran dicotomía entre su cultura y la naturaleza, aquellos que viven en sociedades cuyas economías se nutren de sistemas incultos? El mundo sin senderos de la naturaleza salvaje es una escuela sin par, y quienes la han resistido pueden ser maestros rigurosos y a la vez divertidos. Aquí afuera uno está en constante relación con innumerables plantas y animales. Ser bien educado significa haber aprendido los cantos, proverbios, cuentos, dichos, mitos y, también, tecnologías, que llegan al reparar en los miembros no humanos de la comunidad ecológica local. Es primordial la práctica en el campo, “al aire libre”. Caminar es la gran aventura, la primera meditación, un ejercicio de vitalidad y alma esencial para la humanidad. Caminar representa el equilibrio exacto de espíritu y humildad. Al caminar uno descubre dónde hay comida. Y se topa con historias reales de primera mano, del tipo “tu culo es la pitanza de algún otro”, que es una manera brusca de decir “interdependencia”, “interconexión”, “ecología”, allí donde cuentan. También es un aprendizaje para estar mentalmente alerta y preparado. Hay un maravilloso conocimiento sobre plantas y animales específicos y sus usos, empírico y cabal, que nunca los reduce a ser objetos ni mercancía.

Al parecer, no hace mucho, la historia de las ideas occidentales se bifurcó. La línea de pensamiento representada por autores como Descartes, Newton y Hobbes –todos ellos urbanitas que sostienen que la vida en una sociedad primaria es “desagradable, brutal, y corta”– entrañaba un profundo rechazo del mundo orgánico. Sustituyeron el universo reproductivo por un modelo mecanicista estéril y una economía de “producción”. Estos pensadores se mostraban tan histéricos frente al “caos” como sus antecesores, los inquisidores de apenas un siglo antes, lo eran ante “las brujas”. No solo no disfrutaban de la posibilidad de que el mundo fuese tan afilado como la hoja de un cuchillo; querían quitarle ese filo a la naturaleza. En lugar de hacer el mundo más seguro para los seres humanos, la insensata manipulación del científico-ingeniero-gobernante occidental de los poderes de la vida y de la muerte pone al planeta entero al borde de la degradación. La mayor parte de la humanidad, los recolectores, campesinos o artesanos, siempre tomó un ramal diferente; es decir, comprendió el juego del mundo real, con todo su sufrimiento, no ya en los términos simples de “una naturaleza de garra y colmillo rojo”, sino a través de la celebración del carácter de don e intercambio de nuestro toma y daca. “¡Somos todos partícipes de un enormepotlatch!”(3). Reconocer que cada uno de los congregados a la mesa constituirá eventualmente parte de la comida no solo es “realista”, sino que también permite incluir lo sagrado, y que aceptemos el aspecto sacramental de nuestro transitorio y frágil ser personal.

El mundo observa. Uno no puede atravesar un prado o un bosque sin que una onda de información se propague a su paso. El zorzal desaparece como un dardo, el arrendajo chilla, un escarabajo se escabulle bajo la hierba… La señal se transmite. Cada criatura sabe cuándo sobrevuela un halcón o camina un ser humano. La información que recorre el sistema es inteligencia.

En las iconografías hindú y budista, se inscribe la forma de un animal en las imágenes de las deidades o en budas y bodhisattvas (4). Manjushri, el bodhisattva de la sabiduría discriminadora, cabalga sobre un león; Samantabhadra, el bodhisattva de la bondad, lo hace sobre un elefante; Sarasvati, la diosa de la música y el aprendizaje, cabalga sobre un pavo real; Shiva descansa en compañía de una serpiente y un toro. Algunos llevan pequeños animales en las coronas o el pelo. Esta ecología espiritual y ecuménica sugiere que los otros animales también ocupan tanto nichos espirituales como “termodinámicos”. Que su conciencia sea o no idéntica a la de los seres humanos es discutible. ¿Por qué han de ser las peculiaridades de la conciencia humana el estrecho patrón con el que juzgar a otros seres? “¿Quién ha dicho que mente signifique pensamientos, opiniones, ideas y conceptos? Mente significa árboles, postes de una cerca, tejas y hierbas”, dice Dogen, el filósofo y fundador de la escuela soto del zen japonés, con su divertido y críptico estilo.

Todos somos capaces de transformaciones extraordinarias. En los mitos y las historias esos cambios son de animal a ser humano, de ser humano a animal, de animal a otro animal, o incluso saltos aún mayores. La naturaleza esencial se mantiene clara y constante a través de tales cambios. Así, los iconos animales del pueblo inupiat (esquimales) del mar de Bering llevan una pequeña cara humana cosida en la piel –en este caso es al revés–, o bajo las plumas, o grabada en la espalda o el pecho, o incluso dentro del ojo, mirando furtivamente. Es el inua, a menudo llamado “espíritu”, pero también podría denominarse la “naturaleza esencial” de ese animal. Siempre se conserva la misma cara, sin importar cambios lúdicos y pasajeros. Al igual que el budismo eligió representar nuestra condición mostrando la imagen sólida, afable y constante de una figura humana sentada, meditando en medio del mundo de los fenómenos, los inupiat presentan una panoplia de criaturas diferentes, cada cual con un pequeño rostro humano disimulado. Esto no equivale a antropocentrismo o arrogancia humana. Es una forma de decir que cada criatura es un espíritu que ostenta una inteligencia tan lúcida como la nuestra. Los pintores de iconos budistas esconden una pequeña cara animal entre los pelos del ser humano para recordarnos que también miramos con ojos arquetípicamente salvajes.

El mundo no solo observa, también escucha. Un comentario ordinario y desatento sobre una ardilla de tierra, un pájaro carpintero o un puercoespín no pasará inadvertido. Los demás seres, tal y como nos dicen los maestros de las viejas costumbres, no lamentan que se les dé muerte y servir como alimento, pero esperan que digamos “por favor” y “gracias”, y odian ser desperdiciados. El precepto contrario a arrebatar la vida sin necesidad es inevitablemente el primero y el más difícil de los mandamientos. En su práctica de matar y comer con gentileza y agradecimiento, los miembros de las culturas primarias son nuestros maestros. La actitud hacia los animales y la forma de tratarlos que predomina hoy en la producción de carne en el mundo occidental son francamente enfermizas y antiéticas, y una fuente ilimitada de mala suerte para esta sociedad.

Una vida ética es considerada, y tiene buenas maneras y estilo. De todos los defectos morales y las imperfecciones de carácter, el peor es la mezquindad de pensamiento, que incluye la maldad en todas sus formas. La descortesía en el pensamiento o la acción hacia otros, o hacia la naturaleza, reduce la probabilidad de la convivencia y la comunicación entre especies, ambas esenciales para nuestra supervivencia física y espiritual. Richard Nelson, estudioso de las costumbres nativas, ha dicho que una madre atabascana puede decirle a su hijita: “¡No señales la montaña! ¡Es una impertinencia!”. No se debe ser descuidado ni desperdiciar los cuerpos o las partes de cualquier criatura que se haya cazado o recogido. Ni tampoco vanagloriarse ni mostrar excesivo orgullo por los logros propios, ni dar nuestras habilidades por descontadas. El derroche y el descuido son causados por la mezquindad de espíritu y una falta de inclinación descortés para completar el intercambio de dones (estas reglas son particularmente vitales para sanadores, artistas y jugadores).

Quizás uno no debería hablar –ni escribir– demasiado sobreel mundo salvaje: puede que a otros animales les resulte incómodo que se llame la atención sobre ellos. Este tipo de sensibilidad podría ayudar a entender por qué hay tan poca “poesía del paisaje” en las culturas primarias. La descripción de la naturaleza es un tipo de escritura que llega con la civilización y sus hábitos de coleccionar y clasificar. La poesía china del paisaje comienza alrededor de siglo V de nuestra era con la obra de Xie Lingyun. Hay mil quinientos años de canciones y poesía china previa (considerando que la primera colección de poemas y canciones de China, el Shi-jing o Libro de los cantos, podría incluir cinco siglos de folclore anterior a su escritura) y se hace mención a mucha naturaleza, pero no de grandes paisajes. Se habla de las moreras, de vegetales silvestres comestibles, de la trilla, del mundo del campesinado y del recolector en detalle. En la época de Hsieh los chinos ya se habían apartado tanto de sus propias montañas y ríos como para tratarlos estéticamente. Esto no significa que las comunidades primarias no apreciaran el paisaje, sino que tenían otro punto de vista. 

La misma precaución debe aplicarse a las historias o canciones que versan sobre uno mismo. Malcom Margolin, editor de News from Native California(5), señala que los pobladores originales de California no relataban con facilidad una “autobiografía”. Decían que los detalles de sus vidas particulares no tenían nada de extraordinario; los únicos hechos que merecían contarse eran descripciones de algunos de sus sueños más señalados y momentos de encuentro con el mundo de los espíritus y sus transformaciones. El relato de las historias de su vida, por lo tanto, era muy corto. Hablaban de sueños, de conocimiento, de sanación.


De vuelta en casa

El protocolo del mundo salvaje requiere no solo generosidad, sino también una fortaleza bienhumorada que tolere la incomodidad jovialmente, comprensión de la fragilidad de todos y cierta modestia. Cosechar arándanos rápido y bien, el talento de la baquía, saber llegar donde la pesca es buena –“un hombre enfadado no puede pescar”–, leer la superficie del cielo o el mar, son logros que no se alcanzan con el mero esfuerzo. El montañismo tiene las mismas cualidades. Se trata de acciones que conllevan práctica, lo que requiere cierto grado de abnegación e intuición que llama a vaciarse de uno mismo. Algunos han alcanzado grandes conocimientos solo después de que llegaran al extremo en el que ya no tenían nada más. Alvar Núñez Cabeza de Vaca ahondó en sí mismo de forma indescriptible después de perderse y pasar varias noches de invierno durmiendo desnudo en un agujero en el desierto tejano, azotado por un viento del norte. Había realmente alcanzado ese punto en el que no tenía nada (Lord Buckley dice sobre ese momento: “¡Para no tener nada, debes no tener nada!”). Más tarde se sintió capaz de sanar a nativos enfermos que encontró en su camino hacia el oeste. La fama le precedía, pero una vez que llegó a México y fue de nuevo un español civilizado, descubrió que había perdido su poder para sanar. No ya la capacidad de curar, sino la voluntad de curar, que es la voluntad de ser completo, puesto que, como él mismo dijo, había “médicos verdaderos” en la ciudad, y empezó a dudar de su poder. Para resolver la dicotomía entre lo civilizado y lo salvaje debemos primero proponernos ser completos.

Uno puede alcanzar la situación de Alvar Núñez perdiendo, literalmente, todo. Las experiencias dolorosas y peligrosas a menudo transforman a quienes sobreviven a ellas. Los seres humanos son osados; se entregan a la aventura y quizás tratan de llegar más lejos de lo que deben. Por eso, practicando la austeridad yóguica o las disciplinas monásticas, algunas personas hacen el intento de desprenderse estructuradamente de todo. Algunos de nosotros hemos aprendido mucho caminando día tras día por laderas nevadas, terraplenes, puertos, torrentes y bosques en valles profundos, “colocándonos ahí fuera”. Otra forma –sofisticada en extremo– es la de Vimalalakirti, el legendario laico budista que enseñaba que intuyendo directamente nuestra condición en el actual mundo existente comprendemos que jamás tuvimos nada desde el principio. Hay un dicho tibetano que lo expresa así: “La experiencia del vacío engendra compasión”.

Para quienes exploren directamente adentrándose en el templo primario, la naturaleza salvaje puede ser un mentor feroz que desnuda rápidamente al incauto o al novato. Es fácil cometer errores que lleven al extremo. En términos prácticos, una vida comprometida con la simplicidad, una audacia apropiada, el buen humor y la gratitud, pródiga en el trabajo y el juego, y también caminar mucho, nos acercan al mundo existente y su compleción.

Los miembros de las culturas salvajes raramente buscan la aventura. Si se arriesgan de manera deliberada, lo hacen por motivos espirituales más que económicos. En última instancia, todos estos viajes se hacen por el bien común y no como una búsqueda privada. La serena dignidad que caracteriza a tantos de los así llamados primitivos es un reflejo de ello. Florence Edenshaw, una anciana haida coetánea que ha vivido una larga vida de trabajo y familia, fue entrevistada por una joven antropóloga; esta, impresionada por su coherencia, presencia y dignidad, le preguntó: “¿Qué puedo hacer para respetarme a mí misma?”. La señora Edenshaw le respondió: “Vístase bien y quédese en casa”. “La casa” es, por supuesto, tan amplia como uno quiera hacerla.

Las lecciones que aprendemos de lo salvaje se convierten en el protocolo de la libertad. Podemos gozar de nuestra condición humana, con su llamativo cerebro y su regocijo sexual, sus caprichos sociales y obstinados enojos, y considerarnos ni más ni menos que cualquier otro ser de la gran cuenca fluvial. Podemos aceptarnos todos mutuamente como iguales descalzos que duermen sobre el mismo suelo. Podemos perder la esperanza de ser eternos y dejar de luchar contra la suciedad. Podemos espantar a los mosquitos y levantar una valla contra las alimañas sin odiarlas. Carentes de expectativas, alertas y autosuficientes, agradecidos y cuidadosos, generosos y francos. La calma y la claridad nos alcanzan en el momento en que nos limpiamos la grasa de las manos entre un trabajo y otro, mientras levantamos la vista contemplando las nubes que pasan. Otro placer será sentarse, por fin, a tomar un café con un amigo. Lo salvaje requiere que aprendamos el terreno, saludemos a las plantas, los animales y las aves, vadeemos los arroyos y crucemos las sierras, y contemos una buena historia al volver a casa.

Y cuando los niños estén recogidos en la cama, en una de esas grandes fiestas como el 4 de Julio, el día de Año Nuevo o el de víspera de Todos los Santos, podremos sacar los licores y poner música, y los hombres y mujeres que sigan entre los vivos podrán soltarse y ser realmente salvajes. Este es el sentido último de “salvaje”, su sentido esotérico, el más profundo e intimidante. Los que estén preparados llegarán a ello. Por favor, no divulgar entre los no iniciados.





Notas:

(1) Wilderness: en el texto original, el autor rastrea en detalle la etimología de esta palabra.

(2) El serau (Capricornis) es un mamífero de la familia de los bóvidos que habita en el
centro y el este de Asia.

(3) Potlatch: celebración ceremonial de reparto que se llevaba a cabo en diversas
comunidades nativas del Noroeste del Pacífico norteamericano. Las relaciones y jerarquías entre grupos se reforzaban con este intercambio de ofrendas.

(4) Bodhisattva: en el budismo, “aquel cuya esencia es la iluminación”. En la tradición
Mahayana de esta filosofía religiosa se trata de seres míticos concretos que son objeto de devoción, como los que el autor menciona en el párrafo.

(5) Traducido, Noticias de la California Nativa, una revista dedicada a la cultura, el arte y la lengua, además de a aspectos políticos y sociales, de los nativos de California.





Estos textos corresponden al prólogo y al primer capítulo de La práctica de lo salvaje,de Gary Snyder, que publica Varasek Ediciones en estos días, editorial que comparte con FronteraD la distribuidora Librerantes, junto a otras editoriales.





Gary Snyder (San Francisco, 1930) es un poeta, traductor, ensayista, conferenciante y activista del medio ambiente estadounidense, perteneciente a la Generación Beat y al renacimiento de San Francisco. Autor de más de veinte colecciones de poesía y prosa, ganó el Pulitzer en 1975 por su poemario Turtle Island y fue finalista del National Book Critics Award en 1992 y 2005. Ha realizado todo tipo de trabajos: ha sido granjero, leñador, marinero y forestal además de profesor universitario y vagabundo del Dharma. Ha viajado durante años sobre todo por Japón e India. 

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